Regularização imobiliária e cessão de direitos: quando a venda durante o processo é juridicamente possível


A realidade imobiliária brasileira apresenta situações que o Direito não pode ignorar: imóveis em processo de regularização continuam sendo objeto de interesse econômico, familiar e social. Negociações ocorrem, a posse muda de mãos e o procedimento judicial segue em curso. O ponto central é entender se essa dinâmica, bastante comum, encontra respaldo no ordenamento jurídico e pode ser conduzida com segurança.

O caso que utilizo como referência ilustra bem essa discussão. Trata-se de um imóvel cuja regularização já tramitava em juízo quando ocorreram sucessivas transmissões de posse. Cada adquirente assumiu não apenas o uso do bem, mas também a responsabilidade de dar continuidade ao procedimento, solicitando ao Judiciário a substituição processual para que o processo refletisse a realidade atual da ocupação.

Essa substituição, prevista no Código de Processo Civil, é medida de coerência: o processo deve ser conduzido por quem detém a posse e os direitos correspondentes. Não se altera o pedido, não se muda a causa de pedir, tampouco se provoca qualquer prejuízo aos réus. O que se faz é adequar o polo ativo ao sujeito que efetivamente tem interesse jurídico na decisão.

Além disso, as transferências ocorreram de forma contínua e legítima, formando uma cadeia possessória ininterrupta. Esse aspecto é relevante porque o Código Civil admite a soma das posses, instituto conhecido como acessio possessionis. Em outras palavras, a posse atual incorpora o tempo de posse dos antecessores, o que fortalece a viabilidade da regularização judicial. No caso citado, a ocupação remonta à década de 1930, com mais de noventa anos de exercício de posse pacífica e pública.

A questão que surge, então, é se é juridicamente seguro adquirir um imóvel em fase de regularização. Minha posição é favorável, desde que o negócio seja acompanhado por profissional especializado e precedido de análise técnica rigorosa. A cessão de direitos não deve ser tratada como ameaça ao procedimento, mas como parte natural das relações sociais e econômicas. O que se deve exigir é segurança: verificação da viabilidade da regularização, análise documental, avaliação de eventuais riscos ambientais e urbanísticos, além da consistência da cadeia possessória.

Proibir ou desencorajar a negociação de imóveis em regularização não protege o comprador. Apenas congela situações consolidadas e afasta do mercado bens que, em muitos casos, já possuem longa história de ocupação legítima. O Direito deve acompanhar a realidade, não se afastar dela.

Na próxima coluna, tratarei justamente dos aspectos ambientais e urbanísticos envolvidos nesse tipo de operação, que merecem atenção especial e podem, sim, definir o êxito ou o fracasso de todo o procedimento.