Direito à Moradia e Função Social da Propriedade em Tempos de Divórcio: STJ afasta pagamento de aluguel por ex-esposa que permanece no imóvel com os filhos
A desestruturação familiar causada pelo divórcio impõe, não raras vezes, questões sensíveis e juridicamente complexas — sobretudo quando envolve a presença de filhos menores e a definição do uso dos bens comuns. Em recente e relevante decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou importante entendimento sobre a ocupação exclusiva de imóvel comum por um dos cônjuges, no contexto de separação ainda sem partilha.
O caso: permanência da mãe no lar com os filhos
O processo analisado envolvia um casal em processo de divórcio, ainda pendente de partilha de bens, com filhos sob a guarda da mãe. Após a separação de fato, o ex-marido deixou o imóvel que integrava o patrimônio comum e buscou judicialmente o arbitramento de aluguéis pela ocupação exclusiva do bem pela ex-esposa.
A tese sustentada era de que, ao permanecer no imóvel, a mulher estaria se beneficiando exclusivamente de um patrimônio indiviso, em detrimento da parte que caberia ao ex-marido, o que justificaria a compensação por meio de aluguéis mensais.
A análise jurídica: indivisibilidade e função social
O STJ, no entanto, afastou a pretensão indenizatória. Para o Tribunal, a permanência da mãe no imóvel, na companhia dos filhos menores, não configura hipótese que justifique a imposição de aluguel, especialmente por três fundamentos:
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Copropriedade do bem: como o imóvel ainda não foi partilhado, permanece em condomínio entre os ex-cônjuges. Portanto, a ocupação por um deles não pode ser considerada como uso indevido ou exclusivo que justifique a contraprestação, salvo em situações específicas de abuso ou esvaziamento do direito do outro coproprietário — o que não se configurou no caso concreto.
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Função social da propriedade: o uso do bem está vinculado ao atendimento de uma função familiar e social, especialmente no contexto de acolhimento dos filhos. Trata-se de garantir condições mínimas de estabilidade e moradia àqueles que são mais vulneráveis à ruptura conjugal e que não contribuíram para a dissolução da sociedade familiar.
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Pensão in natura: o uso do imóvel pela mãe, ao lado dos filhos, pode ser interpretado, de forma ampla, como uma modalidade de pensão alimentícia in natura — assegurando não apenas abrigo, mas continuidade no exercício do poder familiar e no bem-estar dos menores.
Precedente relevante para a jurisprudência de família
A decisão, ao evitar a mercantilização imediata do uso da residência familiar, reforça o entendimento de que o Direito de Família deve ser interpretado à luz dos princípios constitucionais, especialmente da dignidade da pessoa humana, da proteção integral à criança e ao adolescente e da solidariedade familiar.
Ademais, o Tribunal ressalvou que a ausência de arbitramento de aluguéis não impede eventuais discussões futuras quanto a eventual compensação financeira, desde que formalizada a partilha e modificada a titularidade do bem.
Conclusão: equilíbrio, proteção e razoabilidade
A jurisprudência do STJ revela uma postura cautelosa e sensível diante das realidades familiares, reafirmando que, em contextos de vulnerabilidade, o Direito não pode servir como instrumento de opressão ou litígio econômico desproporcional.
O caso representa um importante marco na consolidação da função social do imóvel familiar, não como mero bem patrimonial, mas como extensão da proteção jurídica à família, especialmente em momentos de fragilidade e transição.